Umbanda, uma escola de vida

Não posso pedir que abram o coração para ler este Post, cada um escolhe como reagir e no que acreditar, mas o que vou escrever aqui é algo extremamente sensível e acredito que é preciso estar livre de preconceitos.

 

Quando comecei a descobrir a espiritualidade eu era uma criança de 12 anos e sem suporte ou lugar para ter as orientações necessárias, segui em frente com apenas as minhas conversas com Deus.

 

Aos 12 anos comecei a ver, sonhar, premunir e foi quando fiz minha primeira apometria. Aos 18 comecei a manifestar, intuir, buscar um lugar para tratar a mediunidade. Comecei uma grande busca por autoconhecimento e tratamento espiritual e foi numa casa de umbanda que eu encontrei, pois sempre fui questionadora e sempre achei estranho a certeza dos escritos espiritas, afirmando o que haveria após a morte e o que se passa aqui nessa existência.

 

Comecei a me interessar pela religião dos Orixás devido a minha fixação por natureza. Logo comecei a frequentar um centro bem familiar, lá fui estudando a religião e observando todo o processo de montagem de um centro de umbanda junto com a zeladora da casa. Bem cedo, fui convidada a ingressar na casa e mais cedo então, passei a ser o braço direito, em tudo. Me dediquei a estudar a origem da Umbanda, o fundador, os sincretismos, a legalidade, todo o processo histórico. Aos poucos, fui sentindo as energias e aprendendo a me concentrar. Comecei com manifestações bem comuns, me lembro do primeiro dia de uma incorporação perfeita, me concentrando naquilo que meu corpo respondia, no ambiente, deixei fluir, me entreguei e logo percebi que já não tinha mais controle sobre meus movimentos. Sorria, um riso de felicidade, de satisfação, de enfim ter conseguido algo extraordinário. Os olhos foram abrindo aos poucos, e escorrendo lágrimas, fui cumprimentando todas as pessoas da casa (que já eram como uma família devido ao convívio quase que diário) com um sentimento de fraternidade no coração e um grande sorriso no rosto.

O tempo foi passando, eu ficando mais sensível as energias. Comecei a incorporar outras entidades. Recebi conselhos e frases que tocavam no fundo do coração, verdadeiras reflexões de vida.

Quanto mais aprendia, mais tinha a aprender. As coisas aconteciam de forma tão intensa e rápida que logo os livros de Umbanda não mais respondiam as minhas perguntas. Comecei a perguntar e questionar os mais experientes e dificilmente conseguia alcançar uma resposta, de como se manifestavam as entidades, seus nomes, de onde vinham, o que queriam. Eu precisava de pessoas, de seres humanos, saber o que elas sentiam e o que significava aquilo tudo para cada uma delas. A partir daí ver a Umbanda como apenas mais uma religião passou a fazer mais sentido. Comecei a entender a


Umbanda como uma ferramenta maravilhosa de acesso ao desconhecido, porém limitante. Não vai além de um propósito de caridade. A caridade é feita através de conselhos e equilíbrio de energias pelas entidades, cada uma com sua função, mas não há abertura para a auto exploração, o se conhecer melhor. Acredito que quanto mais nos conhecemos, mais podemos conhecer os outros e ajudar aos outros.

Foi então que parti sozinho para outra forma de pensar, continuei me observando e classificando da forma que eu achava mais conveniente o que se manifestava em mim, que não tinha medo de errar. Entendi que não existia erro e sim o preconceito das pessoas. Percebi coisas delicadas e profundas sobre mim e na minha relação com o mundo que eu vivia. As pessoas, o ambiente, tudo passou a ser analisado ainda mais cuidadosamente, tudo gerava uma grande reflexão. Percebi a incrível semelhança que há entre os ritos sagrados, eles estão sempre tratando da mesma coisa, só mudam os nomes. Temia ter uma incorporação durante uma festa ou meditação e percebi que eram energias distintas, ou melhor, o foco da energia era outro. Nesse momento eu já conseguia incorporar, ou não, qualquer das entidades que eu já conhecia em qualquer lugar, a qualquer momento, bastava um pouco de concentração e instantaneamente já estava ali.

E assim se passaram 10 anos de casa. Minha zeladora e eu éramos eficazes juntas, em tudo. “Siga o seu coração, você já sabe o que te faz bem...” dizia ela. Me conhecia já o suficiente para não ter pensamentos egoístas, continuei vivendo em prol do coletivo, da comunidade.

E aí, ela desencarnou. Antes de sua passagem, ela nos alertou, dizendo que estava indo embora, e por mais esclarecimentos sobre a espiritualidade, nunca estamos preparados para “perder” um alguém tão ímpar em nossas vidas. Primeiro foi meu pai, depois, ela. E nunca mais serei a mesma sem eles, pois foram as duas pessoas que mais me ensinaram na vida, só não me ensinaram a não sentir a falta deles.

Sigo a minha intuição, não importam os nomes, nem os rituais, cada um faz da forma como se sente melhor, hoje eu descobri a melhor forma para mim, isso é espiritualidade, não deixei de exercitar o meu dom, corro atrás dos meus sonhos e estou no caminho de me tornar cada vez mais sensível, por amor.

Quando minha Axé se foi, a casa fechou, os pais e mães pequenos seguiram suas missões, e eu me mudei de cidade, um início de um novo ciclo em minha vida.

Hoje entendo assim: a guia branca, os pretos-velhos, eres, exus, caboclos, a roupa branca, os livros sagrados, Oxalá, Iemanjá, Omulu, Ogum, Jesus, Buda, Pierre Verger, Alan Kardek, Doutor Fritz, está tudo dentro de mim... isso é o que sou nesse momento da vida.

 

“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância.’’ (Simone de Beauvoir)


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